quarta-feira, junho 02, 2004

O MENINO DA FOTO

Ontem abri o guia telefônico de Paris para procurar o seu telefone e como previa não o encontrei. Se tivesse encontrado teria feito, apesar dos meus 40 anos, como fazem os meninos quando procuram seus ídolos. - Não consigo mais acreditar em grandes utopias e também não consigo mais ter ídolos, apenas pessoas as quais admiro e respeito, e o senhor é uma delas. - Se tivesse encontrado seu telefone, teria dito-lhe que sou um fotografo brasileiro, gaúcho do sul do Brasil, morando em Paris e que gostaria de conhecer-lhe, poder falar-lhe uns minutos e dar-lhe um livro com minhas fotografias.

Se tivéssemos tido algum tempo eu teria falado um pouco sobre meu avô, Bortolo Achutti, já falecido que estaria com cem anos. Teria contado-lhe que meu avô, também fotografo, morou toda a vida no interior do Rio Grande do Sul e que morreu tendo seu trabalho reconhecido apenas localmente. Eu teria dito ao senhor que comecei na fotografia por influência de meu avô e que continuei por indireta influência sua. Eu teria decorado para repetir-lhe o que escreveu Steichen: "a fotografia não saberia ser mais útil do que ilustrando as relações humanas e permitindo ao homem compreender seu semelhante". Depois, eu teria comentado que se pode fazer isso com imagens épicas ou líricas, que as líricas como as suas são mais difíceis de fazer-se e sempre tocaram-me muito mais.
O senhor não teria perguntado-me, mas eu teria encontrado uma forma de dizer-lhe que uma das suas fotos que mais gosto é aquela do menino na calçada carregando bem faceiro duas garrafas de vinho. Henry Cartier-Bresson, não falei com o senhor e nem dei-lhe o meu livro, mas hoje imaginei-me no lugar do menino daquela sua foto, levando os vinhos para o senhor, depois decidi escrever-lhe esta carta.
Feliz aniversario.

Sou o menino desta outra foto, feita pelo meu avô Bortolo.
Achutti

Achutti, Paris 21 de agosto de 1999.



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