quarta-feira, julho 21, 2004

Movimento Perpétuo

Foi já tardiamente, aos 50 anos de idade, que Rómulo de Carvalho - professor de Física e Química e conhecido como autor de livros de divulgação científica - se estreou na poesia, publicando Movimento Perpétuo, que logo conseguiu atrair a atenção de alguns críticos e de vastas camadas de leitores.

Conservadora do ponto de vista formal, já que mantém os esquemas tradicionais de métrica e de rima, a sua escrita distingue-se pela singularidade de certas imagens e metáforas colhidas na área científica, bem como por um sóbrio e desencantado humanismo, que leva o poeta a hesitar entre uma perspectiva pessimista e uma solidariedade que uniria todos os membros da espécie humana.

Tal ânsia de comunhão não chega porém a destruir um profundo sentimento de solidão e de absurdo face às injustiças do mundo e aos múltiplos sinais da insensatez humana.



Gota de Água

Eu, quando choro,
não choro eu.
Chora aquilo que nos homens
em todo o tempo sofreu.
As lágrimas são as minhas
mas o choro não é meu.



sábado, julho 03, 2004

O Silêncio

Era complicado. Primeiro deitou os restos de comida no caixote o lixo. Depois passou os pratos e os talheres por água corrente debaixo da torneira. Depois mergulhou-os numa bacia com sabão e água quente e, com um esfregão, limpou tudo muito bem. Depois tornou a aquecer a água e deitou-a no lava loiças com duas medidas de sonasol e de novo lavou pratos, colheres garfos e facas. Em seguida passou a loiça e os talheres por água limpa e pô-los a escorrer na banca de pedra.
As suas mãos tinham ficado ásperas, estava cansada de estar de pé e doíam-lhe um pouco as costas. Mas sentia dentro de si uma grande limpeza como se em vez de estar a lavar loiça estivesse a lavar a sua alma. (...)

Sofhia de Mello Breyner Andressen

in Histórias da Terra e do Mar


Não procures verdade no que sabes
Nem destino procures nos teus gestos

Tudo quanto acontece é solitário

Fora de saber fora das leis

Dentro de um ritmo cego inumerável

Onde nunca foi dito nenhum nome